quarta-feira, 13 de abril de 2016

RESENHA: A morte e a morte de Quincas Berro D'água

“Viu o sorriso. O sorriso cínico, imoral, de quem se divertia. O sorriso não havia mudado, contra ele nada tinham obtido os especialistas da funerária. Também ela, Vanda, esquecera de recomendar-lhes, de pedir uma fisionomia mais a caráter, mais de acordo com a solenidade da morte. Continuara aquele sorriso de Quincas Berro D’água e, diante desse sorriso de mofa e gozo, de que adiantavam sapatos novos (...) de que adiantavam roupa negra, camisa alva, barba feita, cabelo engomado, mãos postas em oração? Porque Quincas ria daquilo tudo (...). (AMADO, p. 43, 2014)

Nenhum leitor brasileiro que se preze pode passar a vida sem ler Jorge Amado. Eu tive meu primeiro contato com o autor nos tempos de colégio, mas por razões que não me recordo, não cheguei a concluir a leitura de “Mar Morto”. De forma que “A Morte e a morte de Quincas Berro D’água” foi meu novo ponto de partida.

Durante muitos anos, Joaquim Soares da Cunha foi funcionário público e exemplar homem de família. Até que um dia, abandonou a vida que levava para se tornar Quincas Berro D’água, um vagabundo que mora em meio a bêbados e prostitutas, mas tem a liberdade como seu guia. Na ocasião de sua morte, a família espera poder, finalmente, lhe restaurar a dignidade, enquanto os amigos querem lhe dar uma despedida digna do herói que ele sonhava ser.

Com uma narrativa leve e até mesmo irônica, Jorge Amado dá a seu narrador ares de quem não leva muito a sério a história que tem para contar, o que, além de cativar o leitor imediatamente, se revela perfeito para os contornos fantásticos que a história ganhará. Além disso, esse tom impele o leitor a ver aquela sociedade da mesma forma que o protagonista a via, ou seja, como indigna de ser levada a sério, com todas as suas hipocrisias. Eu diria que é até mesmo impossível não glorificar a segunda vida de Quincas e desprezar a primeira, já que, pelo menos, ela é vivida com toda a vontade e transparência.

Há dois grupos de personagens: de um lado, a família, que de certa forma se alegra com a morte de Quincas, já que isso significa o fim da vida vergonhosa que vinha levando, e que prefere se agarrar a uma versão idealizada de quem ele era; e do outro, os amigos e parceiros de farra, que lamentam profundamente a perda de Quincas, a quem tinham em grande estima e viam quase como a um pai. Nesse contexto, as figuras individuais perdem a importância, sendo significativas pelo seu papel dentro do grupo a que pertencem.

Jorge Amado não deixa de ressaltar sua Bahia, usando de lugares e elementos da cultura local (como a capoeira e o candomblé) para ambientar a sua obra.

Vale um destaque para a edição preparada pela Companhia das Letras que além de cronologia do autor, posfácio assinado por Affonso Romano de Sant’Anna comentando o livro, breve comentário de Zélia Gattai sobre como a história surgiu e foi escrita por seu marido (em apenas uma semana e em meio a escrita de Vasco Moscoso) ainda apresenta fotos, entre elas das primeiras páginas do texto original (com direito a correções a punho) e capas de diversas edições (inclusive internacionais) recebidas pela história.

“A Morte e a morte de Quincas Berro D’água” foi adaptado para o teatro e a televisão. É uma narrativa breve, que não está entre as obras mais sérias e de cunho político do autor, mas nem por isso deixa de gerar reflexões. Até que ponto vivemos a vida que queremos viver e até que ponto nossas escolhas são determinadas pelo que é esperado de nós? As pessoas que nos cercam nos apreciam pelo que realmente somos ou apenas pela imagem que fazem do que elas gostariam que fossemos? Essas são, para mim, as principais perguntas do livro. Um novo ponto de partida que me fez querer explorar um pouco mais a extensa obra de Jorge Amado.

Título: A Morte e a morte de Quincas Berro D’água (exemplar cedido pela editora)
Autor: Jorge Amado
N° de páginas: 120
Editora: Companhia das Letras


20 comentários:

Leitora Cretina / Mônica disse...

Olá!
Esse livro é bom demais. Gostei bastante e achei genial! É um livro super fácil de ler <3

Beijão
Leitora Cretina

Bruna Lago disse...

Eu já li e adorei. Acho engraçado e critico ao mesmo tempo.
Gosto bastante desses livros clássicos, principalmente Memorias póstumas de Brás Cuba .
Bom vice trazer esses clássicos brasileiros. Abraços !

Michele Lima disse...

Oi Mari

Não li ainda este de Jorge Amado, mas com certeza deve ser uma leitura instigante, até hoje sou impactada com Capitães da Areia!

Bjs, Mi

O que tem na nossa estante

Gi disse...

Mariana, Jorge Amado é um autor da escola literária brasileira que tenho prazer em ler por espontânea vontade, e Quincas foi um desses livros que li dele e amei, é muito divertido, principalmente pelo acontecimento que deu nome ao título.
Infelizmente não li em uma edição tão linda qto essa da cia das letras.
Um abç,

Sávio França disse...

Olá, Mariana.
Apesar de querer muito ler um livro do Jorge Amado, esse não é um dos que estão na minha lista de leituras de clássicos nacionais.
Dos livros dele, quero muito ler "Capitães da Areia" e "Dona Flor e seus dois maridos".

Abraço!
http://tudoonlinevirtual.blogspot.com/

Maria Fernanda Pinheiro disse...

Parece ser genial, assisti a adaptação e amei, na verdade nem sabia do livro, Jorge Amado é um clássico mesmo, devia ser leitura obrigatória kk

Tony Lucas disse...

Oi, Alê! Tudo bem? Após minha bem sucedida primeira experiência com Jorge Amado, quero ler vários outros livros dele. Esse parece ser bem irônico e muito gostoso de ler. Espero lê-lo em breve! Adorei a resenha <3

Abraço

http://tonylucasblog.blogspot.com.br/

Unknown disse...

Lindo Blog!!!
Conheça a nova página: https://www.facebook.com/consumindolivros/

DESBRAVADORES DE LIVROS disse...

Olá, Mari!
Estou em amor eterno com a sua resenha.
A Morte e a Morte de Quincas Berro D'água realmente não é um dos livros mais sérios do autor, com um forte cunho político e tudo mais. Contudo, é uma das minhas obras favoritas.
Desse jeito leve, de contador de histórias, Amado consegue nos fazer refletir sobre muitas questões, entre elas a importância da amizade e a complicada "vivência de aparências".
É um livro para ser devorado e relido diversas vezes. Sou suspeito, é claro, mas para mim essa obra é genial.

Maravilhosa resenha.

Desbravador de Mundos - Participe do top comentarista de abril. Serão três vencedores!

Gabriela CZ disse...

Nunca li nada de Jorge Amado, Mari. Nem na época da escola. Mas ultimamente tenho pensado em corrigir isso. E essa me parece uma premissa leve e interessante, boa para começar. Ótima resenha.

Beijos!
http://constantesevariaveis.blogspot.com.br/

Marcela Sezini disse...

Adorei a resenha,nunca li um livro do Jorge Amado,embora já me tenham recomendado muito.Espero ter a oportunidade de ler um dia.
http://acabanadaleitura.blogspot.com.br/

Ariane Gisele Reis disse...

Oie Mari =)

Do Jorge Amado só li Capitães de Areia na época do colégio, mas como não gostei muito acabei não lendo mais nada do autor.
Porém depois de ler a sua resenha e por não ser aquela leitura obrigatória que empurravam para gente (por isso que pegamos pré-conceito com livro nacional), me vejo tentada a dar nova chance ao autor.

Beijos;***

Ane Reis.
mydearlibrary | Livros, divagações e outras histórias...
@mydearlibrary

Theresa Cavalcanti disse...

Nesses últimos tempos, eu não tenho conseguido ler muitos livros clássicos. SOS

Casos Acasos e Livros disse...

Oi, Mari!
Difícil achar alguém que não leu Jorge Amado na escola mesmo.
Eu li uns 3, 4 livros, inclusive A Morte e a Morte de Quincas Berro D'Água. Só que sendo beeeem sincera eu não lembrava bem do livro, só que tinha gostado. Sua resenha ajudou a refrescar a memória.
:D
Dele eu gostei muito de Capitães de Areia.

Beijooos

www.casosacasoselivros.com

Thalita Branco disse...

Olá Mari!
NUnca li nada do autor mas fiquei curiosa para esse. Gostei dessa dualidade entre quem ficou contente com a partida do personagem e quem ficou triste.
Bjs

EntreLinhas Fantásticas - MEGA SORTEIO DE ANIVERSÁRIO! LANÇAMENTO STEPHEN KING + TIMOTHY ZAHN E RENATA VENTURA AUTOGRAFADOS!

Unknown disse...

Nunca li Jorge Amado :(
Gostei do enredo e de saber sobre a edição, com certeza irei procurar essa quando for ler.

Ps: eu adorei aqui pois sempre conheço livros que estão fora da minha zona de conforto e pego dicas super legais!
Bj


IG: @saymybook
saymybook.blogspot.com

Guilherme disse...

Olá!
Jorge Amado esta na minha meta de leituras para esse ano, por essa capa achava que o livro era gigante mas pelo jeito é curtinho. Espero gostar também!
Abraço!
http://leituraforadeserie.blogspot.com/

Carolina Garcia disse...

Olá, Mari!!

Adorei seu texto!! Quincas Berro D’água parece ser um personagem muito interessante.
Ainda não tinha tido contato com essa obra de Jorge Amado, mas já estou adicionando na minha lista.
E você está completamente certa, temos que ler Jorge Amado pelo menos uma vez! :)

Bjs

livrosontemhojeesempre.blogspot.com.br

Maah disse...

Oi Mari.

Apesar de ter gostado muito de sua resenha, as obras de Jorge Amado infelizmente não está em uma das minhas preferidas, estou fazendo um trabalho sobre suas obras e sinceramente estou enrolando para não ler, por que a escrita simplesmente não me prende e não me agrada, o que infelizmente para mim é ruim, por que tenho que fazer uma resenha positiva.
Mas vou tentar com certeza não custa nada.
Boa Tarde.

Mariana disse...

faz tempo q eu não leio nada do jorge amado, eu já li esse livro a tanto tempo q nem me lembro mais direito da narrativa e depois que eu assisti o filme (que ficou muito bom diga-se de passagem) eu meio que mesclei uma coisa na outra
tenho q concordar os livros dele são indispensável para qualquer brasileiro

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